segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Transposição Didática


 O que é a Transposição Didática?

O conceito de Transposição Didática foi estabelecido originalmente pelo sociólogo Michel Verret, em 1975. Entretanto, em 1980, o matemático Yves Chevallard retoma essa ideia e a insere num contexto mais específico, fazendo dela uma teoria e com isso examinando questões importantes na esfera da didática da Matemática.
As considerações a respeito da transposição didática narram sobre as transformações que o discurso científico recebem, ao passar para as situações de ensino. Na teoria da transposição didática o foco de análise é a transposição dos conceitos científicos no processo de ensino.

Como Chevallard define a transformação didática?

Em seus estudos, CHEVALLARD (1991) examinou como o conceito de “distância” aparece no campo da pesquisa em matemática pura e reaparece modificado no contexto do ensino de Matemática. Ele define a Transposição Didática como um instrumento eficiente para analisar o processo através do qual o saber produzido pelos cientistas (o Saber Sábio) se transforma naquele que está contido nos programas e livros didáticos (o Saber a Ensinar) e, principalmente, naquele que realmente aparece nas salas de aula (o Saber Ensinado). Ele analisa as modificações que o saber produzido pelo “sábio” (o cientista) sofre até este ser transformado em um objeto de ensino.
Segundo essa teoria, um conceito ao ser transferido, transposto, de um contexto ao outro, passa por profundas modificações. Ao ser ensinado, todo conceito mantém semelhanças com a idéia originalmente presente em seu contexto da pesquisa, porém adquire outros significados próprios do ambiente escolar qual será alojado. Esse processo de transposição transforma o saber, conferindo-lhe um novo status epistemológico (ASTOLFI, 1995). De maneira geral, CHEVALLARD pretende que os conhecimentos (saberes) presentes no ensino não sejam meras simplificações de objetos tirados do contexto de pesquisas com o objetivo de permitir sua apreensão pelos jovens. Trata-se, pois, de “novos” conhecimentos capazes de responder a dois domínios epistemológicos diferentes: ciência e sala de aula.
Cada saber tem sua própria comunidade autônoma, com seus respectivos representantes ou grupos. Conectando esses níveis apresenta-se a Noosfera, que se trata de uma esfera de ação, onde os protagonistas atuam na transformação do saber. Essa esfera abrange pessoas e/ou instituições que influenciam o sistema educacional, ou seja, todo personagem ou instituição social, econômica e política, que operam nas transformações sofridas pelo saber, são consideradas parte da Noosfera. É nela que ocorrem alguns conflitos inevitáveis às transformações dos saberes, onde os vários atores das diferentes esferas sociais negociam seus interesses, pontos de vistas etc.
“Na noosfera, pois, os representantes do sistema de ensino, com ou sem mandatos (desde o presidente de uma associação de professores até um simples professor militante), se encontram, direta ou indiretamente, (...), com os representantes da sociedade (os pais dos alunos, os especialistas das disciplinas que militam em torno de seus ensinos, os emissários de órgãos políticos).” (CHEVALLARD, 1991, p.28)

Serão as regras da transposição didática aplicáveis a todos os conceitos de física?
 
            Em primeiro lugar é preciso reconhecer que o conhecimento científico ensinado nas escolas deve ser fundamentado no conhecimento produzido pelos cientistas. Portanto, as pesquisas desenvolvidas na Física inferem um Ensino de Física que deve, a princípio, ser sua própria imagem e semelhança. Daí para frente, ideias, conceitos, teorias são, então, transpostos para os programas escolares e materiais didáticos.
            Contudo, o conhecimento acadêmico deve ser “adaptado” ao ambiente das salas de aula, tendo em vista o seu alto grau de complexidade matemática,  o que sugere que o Saber a Ensinar e o Saber Ensinado sejam, obviamente,  pouco diferentes daqueles presentes nos laboratórios e grupos de pesquisa. Essa forma de considerar o ensino traz encravada a ideia de simplificação do saber.
            Para o aluno, esta ideia de simplificação do conhecimento, em geral, é um obstáculo. A imensa maioria dos conceitos apresentados aos alunos tem pouco (às vezes nenhum) significado para eles. Assim, aquilo que é ensinado nas escolas é muito diferente do que vivenciam fora dela. Raramente é possível conseguir aplicar os conhecimentos adquiridos na escola em qualquer outra situação que não sejam aquelas fornecidas dentro da sala de aula. As intituladas “condições ideais” só existem nos livros do ensino fundamental e médio.
            Vale ressaltar a construção de modelos pela Ciência para a apreensão do real tende a decompor situações complicadas em situações mais simples, para que sejam compreendidas pelas teorias disponíveis. Assim, neste processo, abstrações, simplificações e idealizações são praticadas, sem que, os limites e possibilidades de tais opções sejam esquecidas, ficando o modelo condicionado às mesmas. Logo, a modelagem científica é imprescindível para a construção da ciência e, também, para seu ensino. O problemas do aspecto “modelador” do saber ensinado é, que a maioria das vezes ele é camuflado para o estudante.
            Quando o estudante não é informado sobre necessidade da modelagem, a percepção do fazer científico fica alterada e sugere que se trata apenas de uma representação simplificada dos fenômenos. Dessa forma, destaca-se o quanto a
transposição dos saberes científicos para a sala de aula deduz a uma ideia de simplificação ao se ensinar Física no Ensino Médio, tem-se apenas um processo onde a essência é “tornar mais simples” conceitos complicados, algo que difere totalmente das idealizações presentes no processo de modelagem. Esta “simplificação” gera, na verdade, um novo saber, com novo regulamento epistemológico, o Saber Escolar.
            A produção de um novo saber, mesmo com os riscos intrínsecos ao processo de criação é razoável e necessária. É preciso ressaltar que as motivações e objetivos de se ensinar e aprender ciências são diferentes daqueles presentes no fazer científico. Há uma mudança de nicho epistemológico, o que implica numa inevitável transformação do conhecimento. Por isso, o Saber Ensinado e o Saber Sábio, embora conectados, são diferentes.

Referências:


Marandino, m. (2005). A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciência. História, ciências, saúde-manguinhos, 12, 161–181. Doi:10.1590/s0104-59702005000400009




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